Cara Emília
Seu nome me faz lembrar de Miranda do Douro (é assim que se escreve?). Lembro do estreito curso d'água que separa Portugal da Espanha. Lembro da paisagem da rodovia que, de Lisboa, chega às aldeias do Norte. Conheces Vilar Seco?
Essas imagens guardadas na memória, me lançam na busca de uma poesia que as expressem. Não consegui lembrar de nenhuma, de imediato. Assim , saio do espaço e volto ao tempo. O fim do ano é um tempo de renovação. É um tempo de projeto. Deixo falar o poeta:
LOUVAÇÃO MATINAL
Que a vida de cada qual seja um projeto de casa.
Sêco, o projeto agride o ôlho da gente no papel,
Porém quando a casa se agarra no lombo da terra,
Ela se amiga num átimo com tudo o que enxerga em volta,
Se adoça, perde a solidão que tinha no projeto,
Se relaciona com a existência, um homem vive nela,
E ela brilha da fôrça do indivíduo e o glorifica.
Deflorar a virgindade boba do que tem de vir!...
Eu nunca andei metido em sortes nem feitiçarias,
Não posso contar como é a sala das cartomantes,
E minhas mãos só foram lidas pelos beijos das amadas,
Porém sou daqueles que sabem o próprio futuro,
E quando a arraiada começa, não solto a rédea do dia,
Não deixo que siga pro acaso, livre das minhas vontades.
O meu passado... Não sei. Nem nunca matuto nele.
Quem vê na noite? o que enxerga na natureza assombrada?
O que passou, passou; nossa vaidade é tão constante,
Os preconceitos e as condescendências são tão fáceis
Que o passado da gente não é mais
Que um sonho bem comprido aonde um poder de sombras lentas
Mostram que a gente sonhou. Porém não sabe o que sonhou...
Não recapitular! Nunca rememorar!
Porém num rasgo matinal, em coragem perpétua
Ir continuando o que um dia a gente determinou!
Eu trago na vontade todo o futuro traçado!
Não turtuveio mais nem gesto meu para indeciso!
Passam por mim pampeiros de ambições e de conquistas,
Chove tortura, estrala o mal, serenateia a alegria,
Futuro está gravado em pedra e não se apaga mais!
Por isso é que o imprevisto é para mim mais imprevisto,
Guardo na sensação o medo ágil da infância,
Eu sei me rir! eu sei me lastimar com ingenuidade!
Mário de Andrade - Poesias Completas, Livraria Martins Editora São Paulo - 1974 - pag. 194
sábado, 28 de novembro de 2009
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